quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O ator oriental - Nível 3B

O ator oriental ainda hoje é religioso. Na Índia, surge da união da dança e do canto provenientes das festividades religiosas. Segundo o sábio Bharata-Muni – a quem teriam sido reveladas as regras da arte dramática citadas no quinto Veda - , a origem do drama remonta ao deus Brahma, criador do mundo, quando idealizou uma arte ao mesmo tempo audível e visível para a compreensão de qualquer homem.

As diferentes culturas e civilizações que compõem o extenso continente asiático contrapõem-se com a visão homogênea que nós, ocidentais, temos do Oriente. Ainda assim podemos localizar características comuns ou próximas que alimentariam uma visão da cultura oriental. Dois aspectos comuns seriam a forma relativamente constante de atuação do ator oriental (que ocorre raramente improvisação) e a fantasia cênica de antecipada precisão aos espectadores, que reconhecem nela símbolos tradicionais.

Para muitos estudiosos as formas do teatro oriental têm origem na Índia e se mantêm durante séculos nas formas teatrais do Japão, China e Coréia, bem como nas dos paises do leste e do sul orientais (Birmânia, Tailândia, Laos, Camboja e Indonésia). Gregos da Antiguidade também acreditavam que o deus do teatro, Dionísio, tivesse sido trazido do Extremo Oriente.

O teatro na Índia encerra suas bases estéticas codificadas em Os princípios da arte dramática, o Natia Sastra, redigido em sânscrito pelo profeta e patriarca Bharata nos inícios da era crista, e que, alem de estabelecer as regras para construção do espaço cênico, trata ainda dos sete anos de aprendizagem do ator em por menores complicados. Menciona 24 variantes da posição dos dedos, 13 movimentos para a cabeça, 7 para as sobrancelhas, 6 para o nariz, 6 para as faces, 9 para o pescoço, 7 para o queixo, 5 para o peito e 36 para os olhos., as quais correspondiam à regulamentação da linguagem. A arte do ator indiano, incluindo voz e comentário, exige dele a máxima concentração. Durante longo período ele permanece entregue a tarefa de criação da atmosfera do drama. A obra de Bharata destaca ainda que as representações devem ser completamente controladas e de execução nunca impulsiva ou original.

O ator hindu por representar deuses ou heróis, devia atingir a perfeição na arte através da autodisciplina. As peças apresentavam, geralmente, uma prece como prólogo, seguida de um diálogo entre o diretor e os atores com vistas a fazer o publico ciente das circunstancias que deram origem ao espetáculo. O ator não seguia necessariamente um texto, a musica era composta no momento, e o musico, então, tinha a possibilidade de decisão sobre o andamento do espetáculo.

O teatro chinês não é nativo, tendo sido introduzido pelos mongóis, derivado da adição da dança com o canto. Nele a simplicidade da técnica de representação se aproxima bastante dos movimentos mimados e ritmados das marionetes.

A influencias hindu no teatro da China – lá introduzida, possivelmente, dois séculos antes da era cristã – pode ser verificada na dura aprendizagem dos atores que demora também sete anos, tradicionalmente. Os professores ensinavam, com rigor, gesticulação, movimento e expressão vocal. A poética chinesa, garantida ate mesmo pelo código penal, impõem que toda obra teatral tenha finalidade moral, devendo aos espetáculos mostrar uma pintura verdadeira ou suposta de homens justos e bons, de mulheres castas, de crianças afetuosas e obedientes para assim induzir os espectadores a pratica da virtude. A técnica de interpretação do ator baseia-se na simplicidade criando uma resultante entre a concepção da realidade e a perspectiva cênica. Daí seu movimente se aproximar bastante do de uma marionete. A nudez do palco chinês obrigou o ator a criar, com sua palavra e gesto, um cenário inexistente. Um ilusionismo de convenções e signos supre a ausência de cenário: um abanico junto ao rosto representaria um passeio ao sol; um ator tateando pela cena significa que o ambiente esta as escuras; uma nevada seria representada por um sombrinha com tiras de papel branco; dois ou três toques de corneta anunciaria o julgamento de alguém e assim por diante. O único apoio ao qual recorre o ator chinês é sua mascara e seu traje, que traduzem símbolos de tradição muito antiga.

Apresentados em casas de chás, os espetáculos ganham uma forma de relacionamento especial entre os atores e os assistentes. Estes podem abandonar as salas de espetáculos, retornando quando a cena apresentar maior interesse. Nos bastidores qualquer pessoa estranha esta impedida de entrar, pois trata-se de um ambiente de preparo e concentração, protegido pela estatua do imperador Ming Huang. Com a proclamação da republica, em 1911, as mulheres puderam usufruir da aprendizagem da Ópera de Pequim. Antes os papeis femininos eram especialidades de certos atores. Entre outros, destacou-se Mei Lan Fang (1894-1961), que se tornou o especialista mais famoso em papeis de cortesã e donzela até quase os 70 anos. Alem de dançarino, coreógrafo e ator, foi, em seus últimos anos de vida, diretor da nova Academia de Arte. Antes considerados marginais, os atores chineses recentemente passaram a ser venerados por seus méritos.

A influencia budista aparecera em algumas mascaras do teatro japonês, que, no teatro dos séculos XIV e XV, vai enaltecer a ética samurai, enquanto a forma intermediária do teatro kyogen vai alimentar o popular, ficando para o teatro kabuki, do século XVII, o esplendor da sociedade dos comerciantes. O shimpa de fins do século XIX apresenta em cena temas da atualidade, profundamente sentimentais, já sofrendo influencias do teatro ocidental. O século XX vai trazer o shingeki (novo teatro), onde a jovem intelectualidade japonesa se manifesta através de um teatro internacionalizado, em que até mesmo o método de Stanislavski e propostas mais contemporâneas aplicados.

Na época clássica, o teatro era quase sempre encenado por sacerdotes, aparecendo posteriormente o conceito isolado de ator. O treinamento desse ator esta previsto no Fúshi-kaden-Kaden, a bíblia do , que propõe inúmeros princípios básicos e treinamentos desde a idade de 7 anos ate mais de 50; isto no primeiro livro. O sétimo livro cuida dos complementos e teorias da expressão teatral. O , desde suas origens, resiste a improvisação teatral, e suas primeiras manifestações são cantos e danças. Em seus primórdios, os atores desse teatro eram marionetes, daí posteriormente o estilo de sua mímica ser tão rigorosamente regulado quanto à coreografia, pois cada gesto ou movimento, extremamente estilizado, conserva um sentido próprio e exato. A beleza plástica dos conjuntos assim montados resulta da disciplina e técnicas perfeitas.

Dentre os mais famosos atores, destaca-se Zeami Motokiyo (1363-1443) pela defesa da manutenção da tradição do teatro , alem de seu talento invulgar.

Em 1910, fundou-se junto ao Teatro Imperial uma escola para a formação de atrizes, por força de uma ordem imperial, devido à má fama do teatro kabuki dos primeiros tempos, iniciado com mulheres, depois impedidas de entrar em cena.

A construção do primeiro teatro kabuki data de 1624. o teatro kabuki durante séculos teve um estilo eclético e ritualístico, que logo se tornaria burlesco erótico. Nele se destacou o ator Sakara Tôjurô (1647-1709), famoso pela criação de delicados galãs que o fariam incomparável nas cenas de Kioto e Osaka. Para ele, o grande mestre do ator era a própria vida. É de sua autoria a famosa citação de que a arte do ator, assim como a sacola de um mendigo, tem que conter de tudo um pouco, desde coisas valiosas ate coisas sem valor, e se, por acaso, alguma coisa, alguma coisa não tiver serventia no presente, se guarda para usa-la no futuro.

A consciência de seus atores, a dedicação que manifestam pela arte teatral erigida durante vários séculos, a ponto de ser considerada, como uma forma de religião do povo, asseguram ainda hoje ao teatro kabuki a qualidade de representar espírito nacional e de ser um veiculo de orientação por parte do poder construído.

Como um sacerdote, o ator oriental leva uma vida ascética, silenciosa e concentrada; em atividade é um homem possuído pelo que representa em cena. O teatro para ele não é um oficio, mas uma vida de renuncia; para este ator, a individualidade se perde, sua técnica te que ser perfeita, e a personagem que encarna, assumir uma supra-individualidade. A simbologia da indumentária é de grande importância, e sua cor vai determinar até mesmo o conteúdo emocional da personagem; a pantomima é fundamental, e a concentração é aprimorada de tal forma que vai qualificar a tarefa particular de cada ator. Com o rosto anulado pela mascara, ele vai ter no corpo seu instrumento de expressão mais importante. Charles Dullin (1885-1949) sustenta que o ator japonês “parte do realismo mais minucioso e chega à síntese por uma necessidade de verdade”. Há no ator oriental, portanto, uma total abdicação de si próprio. Não há distinção entre ator e publico, pois a religiosidade os une. O ator oriental permaneceu mais preso à religiosidade do teatro e só recentemente alimentou novas formas.


trecho do livro HISTÓRIA E FORMAÇÃO DO ATOR - Enio Carvalho

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